24 de novembro de 2017

Não tenho dom pro ódio
tudo que dói, não sinto
reajo, sorrio
não levo a sério.
Pedrada não me maltrata
fortalece, não mata
acho pouco e acho graça

Não tenho dom pro sofrer
tudo que pesa, eu levo
à tudo que cura, entrego
não vejo permanência nas coisas.

Tenho esse dom do vento
do devaneio
eu briso forte e sopro leve
transito, movimento, transformo.

Se machuca, me afasto e curo
se gosto, insisto e gozo
se dá prazer, eu fico
hoje, amanhã, mas não sempre
permaneço impermanente

Não acostumo nem com amor
muito menos com a dor
de apego não tenho dom
reajo, sorrio sempre
ouço, aceito, agradeço
De tudo, vou embora sem peso

Não tenho medo de mudar
sei onde e quando devo estar
eu percebo o erro
premedito o estrondo
não me importo
assisto, sinto, sorrio
não vejo permanência nas coisas
permaneço impermanente
de novo, de novo e de novo
Vento. Movimento.

20 de outubro de 2017

Lua Nova

Lua nova
meu sangue escorre
um mês que corre
Deveriamos comemorar?
Eu oro, você come
Com a boca, a língua, o olhar
A gente se come e ora
Colabora
O lábio labora
Languida lambida na lua

Lua nova
meu sangue escorre
um mês que corre
a gente nem se gosta tanto assim
Rolê infinito tem fim sim
é você dentro de mim
Temos o que comemorar?
Eu oro e você me come
Eu peço e você me fode
Forte, explode, me deixa mole
Minhas pernas seu portal
Abro nua o portão
Na cabeça sempre a questão
Será que já me/te iludi?
Lua nova
quando cresce sorri.

2 de outubro de 2017

O R U ?

Hoje eu fui levar um trampo no correio e descobri que uma quadra antes da agência tem um Sebo muito bonito. Fiz o que tinha que fazer e fui conhecer o lugar. Mas, gente do céu... eu não sei qual foi o túnel da vibe bucólica que eu entrei. 
Na verdade tava propício, olha só: Tempo curitibano, friozinho, chuva fina alternada com pancadas, entro no sebo e aquelas estantes gigantescas engolindo minha pequenice de 1 metro e meio de existência, uma música clássica no talo engolindo sonoramente a minha existência e, cuidando do local, um tiozinho com cara de amante de literatura francesa e filosofia sendo engolido por um livro muito grosso e, pra mim, ele era tão alto quanto meias prateleiras. 
Eu venho de uma família com contato muito estreito com os livros. Até o banheiro da casa dos meus pais tem livros e, se acha pouco, ainda tem muitas poesias presas nas paredes do banheiro (pra ler cagando, eu acho). 
De certa forma, não sei porque, perdi um pouco do contato com livros e literatura... eu gosto de ler mas o computador e o celular ocuparam esse espaço nos meus dias (desculpe, mãe!)... acaba que eu não leio mais tanto assim. E nem escuto música clássica.
E aí eu entro naquele lugar e sou engolida, ENGOLIDA pela minha infância/adolescência. Várias coleções de Monteiro Lobato, Mundo de Sofia, Alice, Vinicius de Moraes... E aqueles violinos zunindo na minha mente, aumentando cada vez mais, me fazendo relaxar e ficar tensa com tanto impacto ao mesmo tempo. Meu pai curtia muito escutar música de orquestra em casa... Um pouco eu quis chorar mas fiquei travada em frente a uma prateleira gigante de esoterismo e só conseguia mover a cabeça olhando pra cima e pra baixo correndo os olhos pelos títulos. Que segundos difíceis. 
Circulei pelos corredores, tinha lá tudo o que eu já tinha lido, queria ler, quero ler, ouvi falar, minha mãe contava... Malba Tahan, Khalil Gibran, Richard Bach que a minha mãe tanto ama na prateleira de religião, eu não entendi! Eu não entendia nada! Eu não me entendi por todo esse passeio, eu não me entendo por toda essa existência! 
Pensei "o que eu tô fazendo da minha vida? Olha esse lugar!" Que pensamento mais sem sentido que eu já tive.
Minha manhã hoje foi muito feliz. Eu saí de casa muito feliz e voltei meio louca.
Saí do sebo com mil questões na cabeça. Esse ano meu mapa astral entra numa regência de Gêmeos e, esse sebo, essa chuva, essa música clássica já me preparam pro ano que virá... Cheio de questionamentos e racionalização de absolutamente tudo. Espero só não sofrer muito.Tá tudo bem, Meluzinha, tudo bem.
Entrei numa papelaria que eu acho a mais maravilhosa do mundo porque tem uns crayon quadradinho do tempo da vovó e gastei a fortuna de 32 reais em 3 folhas de papel A2 e uma caneta. Me sentindo uma estúpida, não sabendo o que eu tava fazendo MESMO. Fiz isso. 3 folhas A2 200g e uma caneta a base de álcool de ponta fina. Olha que estupidez! 
Pensei em voltar no sebo e pedir pra ficar lá um pouco... rabiscando... lendo... não sei... me afundando nesse sentimento - que não sei nem dar nome - até que ele se resolvesse dentro de mim. Mas vim pra casa e me empenhei nuns trabalhos que estava me devendo há tempos... e resolvi rabiscar. Não usei nenhum papel daqueles ainda, rabisquei aqui com canetinha base d'água no bom e velho sulfite A4 que custou cincão um pacote com 100 folhas (dignidade!). 
Cheguei em casa e olhei pra mim, pro meu trabalho, pras coisas que eu penso que eu sou, pras 3 folhas novas, pro meu corpo, pras minhas roupas, pro colchão no chão, minha cama desarrumada, pras toalhas que esqueci lá fora na chuva, pro tambor, pra caixa, pra cabaça que vai virar um agbê, pra papelada espalhada com 3402 anotações de trampo, de vontade, de poesia, de loa, de ideia, de rascunho, de lembrete. 
Eu era uma mulher muito feliz de manhã e estou indo dormir acabada de louca. E amanhã vou acordar feliz de novo, principalmente se o tempo abrir. Amanhã eu vou fazer uma tatuagem nova.
A minha tatuagem mais velha, tem 12 anos, é uma "releitura" (??) da lagarta da Alice no País das Maravilhas... quase ninguém lembra da lagarta nessa história porque a participação dela é meio pequena mesmo. Eu me arrependia dessa tatuagem, reclamei dela outro dia ainda. Hoje desarrependi porque parece que o dia foi a minha lagarta.
Quando a Alice encontra a lagarta ela está eufórica, sem saber o que está acontecendo, onde ela está, que que tá pegando. Tenta falar com a lagarta por diversas vezes e a lagarta fica cantando, fumando um narguile, com uma cara de nojo e preguiça ao mesmo tempo... quando a lagarta percebe a Alice, com calma pergunta:
- Quem é você?
- Eu sou Alice - ela responde
E a lagarta retruca:
- Eu não quero saber seu nome. Eu quero saber Quem é você.
Se eu fosse a Alice, na moral, eu ia dizer: PORRA, EU TAMBÉM QUERO SABER! FAZ 27 ANOS QUE EU TÔ TENTANDO SABER!

31 de agosto de 2017

Encon-traste

Lavanda e laranja
Negro e cabocla
O cheiro transporta
cidade e mar
a vontade de ficar

Os corpos contrastam no lençol branco
Marrom, preto, vermelho, amarelo
Quanta cor cabe num cheiro?
Quanto amor cabe num passeio?

Roxo e laranja são cores complementares
Lavanda e laranja são cheiros complementares
Marrom, preto, intenso e belo
Vibra e inspira meu vermelho e amarelo

Roxo e laranja são cores secundárias
Lavanda e laranja ainda são cheiros complementares!
E é som de tambor que faz esse encontro-contraste
(encontraste/encon-traste/em com traste/ em contraste) pulsar
Cidade e mar
Vontade de ir
Vontade de ficar.

30 de agosto de 2017

Não desestimule suas irmãs

o mundo patriarcal sempre nos deixou claro a nossa falta de capacidade em executar N coisas.
Crescemos acreditando que nunca seriamos boas o suficiente para várias tarefas, sobretudo as que já são culturalmente tidas como masculinas. De forma muito lenta a gente ganha espaço nesse mundo, de forma muito lenta a gente bota a cara no sol e mostra que não veio só pra zelar mas que a gente também consegue dirigir, gerenciar, construir uma casa, tocar tambor.
Mas somos tão desacostumadas ainda com a ocupação feminina em espaços culturalmente masculinos que, algumas vezes acabamos reproduzindo alguns discursos machistas e, com isso, tendo uma abordagem broxante para com as nossas irmãs.
Somos tão naturalizadas com o fato de só vermos homens fazendo determinadas funções que, quando alguma amiga demonstra vontade em fazer também, logo vem um caminhão de questionamentos e frases desemponderadoras do tipo "mas é muita responsabilidade!!!", "será que você vai dar conta?", "você tem preparo suficiente pra isso?". Coisas que, muito provavelmente, não perguntariamos aos homens.
Manas, cuidado com essa reprodução! Já temos uma cultura inteira instituída há séculos para nos questionar dessa maneira. Quando uma amiga sua diz que quer tentar algo novo, apoie, estimule, ajude e compreenda. Fazer questionamentos negativos em relação a sua capacidade para a coisa só afirma que mulher não pode/não deveria. Com certeza pra ela chegar a ousar de tal forma, ela já passou pela prova de fogo desses questionamentos mentais porque ela, também mulher, já está habituada com o caminhão de cobranças que bate nas ideias antes de tomar qualquer iniciativa. Ela, também mulher, não foi ensinada a tomar iniciativas e sim a acatar as iniciativas alheias.
Quando uma mulher se enche de coragem para fazer algo, apoie e acredite porque ela te representa!
E se no fim das contas não der certo, não aponte dizendo que ela não estava preparada o suficiente ou que não era capaz. Abrace-a porque qualquer uma que resolve tomar a frente de um projeto está sujeita ao erro e recomeço. Ajude-a.
Ultimamente quando esbarramos nos muros de homens tentando nos por pra baixo, já não ligamos mais, pulamos esses muros e continuamos em frente.... Agora o muro da mulher machista é maior e mais difícil de subir. Porque é inconsciente. A mulher que não apoia a outra na subida, acaba sendo uma dificuldade. A mulher que questiona a outra negativamente, reproduzindo o discurso de incapacidade, consegue fazer a outra voltar atrás e simplesmente parar, e não querer fazer mais porque talvez não seja tão boa assim ainda, talvez seja melhor dar mais um tempo, talvez seja melhor aprender direito com um cara que dê credibilidade.
Só que nós não temos mais esse tempo pro talvez. Nós precisamos agir e ocupar nossos espaços. Na política, na obra, em casa, na música.
Sei que muitas vezes apenas questionamos a capacidade uma das outras por cuidado, porque queremos alertar sobre os perigos e dificuldades... Mas, vai dizer que já não estamos alertas o suficiente? Olha pra história da nossa luta, da nossa causa se já não tem calo o suficiente nesses nossos corpos?!
A cobrança e expectativa social já é grande que não dá mais pra gente reproduzir isso entre a gente mesma, entre as irmãs.
Quando uma mulher se sente preparada para algo a ponto de conseguir comunicar essa vontade, abrace-a e dê apoio incondicional, ajude no que te for possível. Os questionamentos, testes e provas da sua capacidade, deixe que a sociedade mesmo e a própria empreitada vão dizer.

19 de agosto de 2017

Os ricos e as farmácias

Estou no Rio de Janeiro. Estou na principal avenida da zona oeste, av. Das Américas, no final do Recreio.
A paisagem é descomunal, maravilhosa, como boa parte do RJ vista dos apartamentos e morros. Apesar da quantidade absurda de prédios e condomínios luxuosos, os montes verdes ainda se destacam muito mais no curto horizonte.
Essa avenida é muito movimentada, 24h passam muitas pessoas dentro de carros e coletivos, pouquíssimas pessoas andam pelo bairro. Eu, que gosto de caminhar, não entendo bem.
Sento na sacada e sinto o cheiro de incenso vindo de outro apartamento. O chá de canela esquenta por dentro. O barulho não deixa pensar.
Tem uma ciclovia bacana nessa avenida mas quase ninguém usa.
Tem muitas farmácias nessa avenida. Ontem resolvi voltar caminhando da escola de dança, que fica na própria avenida, e fiquei tão surpresa com a quantidade de farmácias. Ricos gostam de farmácia.
quando eu morava em Curitiba já tinha notado esse apego que rico tem com farmácia. Os lugares de alta classe sempre tinham 3, 4 farmácias em distâncias bem pequenas.
No bairro onde moro atualmente, preciso andar umas 5 quadras pra chegar numa farmácia. Aqui na av. Das Américas eu só preciso atravessar a rua... E duas quadras tanto pra frente quanto pra trás já tem outras.
Ai fui percebendo que, em questão de saúde pro povo que mora aqui, sai mais em conta ir na farmácia mesmo. O hortifruti é um lugar luxuoso demais, as frutas e verduras são muito mais caras que o omeprazol. Não tem ninguém andando na rua, todo mundo de carro, a via é expressa, é perigoso ser atropelado, ninguém se respeita, forma transito e é um estresse... Bicicleta então? Não fode.
As praias mais próximas estão a 30 minutos andando mas ninguém ansa. De carro é rapidinho.
Tem ar condicionado em todo e rodo e todo e qualquer lugar. Mas o resfenol custa 3 reais em qualquer farmácia e olha que isso tem a rodo aqui.
Que apego doido que essa gente tem com remédio. E não é com a saúde não, se não todo mundo se cuidava. É com remediar as coisas mesmo. E cada vez mais percebo que isso é coisa de gente rica que não sabe se cuidar sozinho. O remédio e a fsrmacia são as babás... E coitadas das farmacêuticas!
gente rica gosta mesmo de remediar. Fazer cagada e remediar. Acho que por isso tanto rico entra em projeto social. Remedia seus privilégios e "cura" os sintomas deles na própria alma.
Rico é doente.

25 de abril de 2017

Um texto para os homens: Porque a saúde da mulher não pode, por enquanto, ficar nas suas mãos

Hoje pela manhã fui ao ginecologista. Este era um homem com mais de 30 anos, branco e de pouquíssimo assunto. Fui extremamente mal atendida mas mais adiante conto como foi. Cheguei em casa, fiz um chá pra me acalmar e acalmar a dor que senti do procedimento de açougue ao qual fui submetida pelo médico ao passar pelo exame preventivo, famoso “Papa Nicolau”. Fiz também uma postagem no Facebook dizendo que deveria ser proibido homem ser ginecologista.
Bem, sem novidade, choveu repressão masculina (e algumas femininas) nos comentários. Infeliz, extremista, fascista, quero ver quando for emergência, antidemocrática, pesado... tudo isso e mais por vir. Ok, todo mundo tem direito de se manifestar, postagem pública, tá tudo certo. Do alto do poder da masculinidade, vários homens vieram me falar sobre o quanto eu estava sendo radical em não gostar que o meu corpo por vezes passe por cuidados masculinos. Triste realidade. Mais uma vez homens querendo deter nosso parco poder de decisão. Eu prefiro mesmo que uma mulher cuide de mim e conheço muitas mulheres que também preferem.
Depois, avaliando vários argumentos, lendo um pouco e matando a curiosidade, percebi que talvez o problema não seja mesmo a ginecologia estar sob os cuidados masculinos mas sim a medicina como um todo ter sido feita, criada e planejada a partir do ponto de vista do homem e, é claro, os homens não saberem e não enxergarem isso.
Coisas que você, homem, talvez ainda não saiba sobre procedimentos ginecológicos:
Primeiro de tudo é importante deixar limpo que todo e qualquer procedimento ginecológico é extremamente INVASIVO. Desde a pressão psicológica que os médicos e médicas fazem para que tomemos pílula anticoncepcional, por exemplo, até os nossos exames corriqueiros como o “Papa Nicolau” e outros não muito comuns como trans e intravaginal. Olha só, se você não entendeu vou dar um exemplo bem legal.
Sabe aquelas piadinhas que vocês homens fazem sobre o exame da próstata? Que vários homens se recusam a fazer pra ninguém enfiar o dedo no cu deles e muitos inclusive morrem por conta desse preconceito/machismo? Pois é. Todo homem, antes de realmente precisar passar por um exame de toque, agora pode fazer apenas um exame de sangue e é este exame que vai dizer se precisam fuçar no seu rabo ou não. Legal né?
Esse tipo de “avanço medicinal” não acontece para a saúde das mulheres com tanta frequência. Até hoje, para detectar possíveis dsts, problemas com fertilidade, medição do tamanho do útero, introduzem objetos de aço inox (que um dia já foram de ferro), câmeras e objetos para raspagem nas nossas vaginas. Um exame Papa Nicolau – que qualquer mulher faz pelo menos 2 vezes ao ano – nada mais é do que a coleta da raspagem de um pedacinho de pele do colo do útero da mulher. Sim, eles RASPAM e tiram um pedacinho pra por num pote. Dá até um arrepio, né? Várias vezes o/a ginecologista “erra a mão” e SANGRA, podendo causar feridas e, em casos extremos, perfurações e isso pode acarretar em hemorragia e infertilidade. Pergunta pras minas que você conhece se elas acham bacana ir ao médico toda vez com essa insegurança.
Aí moram as diferenças e os privilégios. Muitos homens se recusaram a fazer o exame de próstata porque é um exame invasivo? Ok, criamos um jeito de detectar pelo sangue. Quando as mulheres deixam de ir ao ginecologista por sofrerem abuso, estupro ou serem vitimas de erro médico, quando alguém fica sabendo, muitas vezes apenas o médico em questão recebe uma advertência e tudo passa, ninguém pensa na melhoria e no conforto nosso. Isso quando a gente não é taxada de louca varrida porque resolveu reclamar.
Você, homem, tem noção de quantas mulheres simplesmente abandonam a frequência anual no ginecologista e deixam de cuidar da saúde por simplesmente não serem bem atendidas? Ou quantas mulheres procuram exaustivamente por atendimentos com médicas mulheres e acabam pagando particular (ou deixando de lado) porque o posto de saúde próximo não oferece uma ginecologista mulher? Acho que não né?
Eu não queria nem entrar no mérito do abuso e estupro porque realmente não foi o meu caso, mas merece espaço pois, chegaram a me dizer hoje que desvios de conduta podem acontecer em qualquer profissão. NÃO!!! ELES NÃO PODEM ACONTECER NUNCA! A gente tem que parar de naturalizar os erros e a violência, sobretudo dos homens, que os cometem mais e mesmo assim saem impunes em muitas situações.
A maioria dos motivos pelos quais as mulheres evitam se consultar, não só no ginecologista mas em qualquer área, com homens é justamente pelo medo do abuso. MEDO DE ABUSO. Já pensou? Você está na salinha da recepção com MEDO de que a pessoa que estudou 8 anos pra te atender te violente de alguma forma. Leia-se violência não só como uma agressão física mas sim como uma apalpada indevida, uma cantada (ou “elogio” desnecessário), uma pergunta mal intencionada e também não só no sentido sexual mas existem as violências como a que eu sofri hoje, por exemplo, de uma coleta de preventivo extremamente grosseira, dolorida e que me fez sangrar muito... a ponto do próprio médico, tentando não demonstrar aflição, perguntar se eu não estava menstruando. A violência esteve para mim hoje no “perguntei só porque preciso anotar isso no prontuário, não quero saber seu histórico” quando comecei a contar sobre alguns ocorridos que considerava importantes em uma consulta ginecológica. A violência está para várias mulheres dessa e de outras tantas formas em consultórios ginecológicos....E ainda nem vou falar sobre obstetria, sobre abuso de poder, sobre cirurgia mal feita... vixi!
Eu compreendo que essas coisas variam de profissional pra profissional e que existe mesmo muito homem ginecologista bom e do bem. Hoje poderia ter acontecido tudo isso com uma médica mulher, eu sei. Sou super a favor de que se o cara percebe que a saúde da mulher é a sua vocação, tem que ir em frente mesmo, estudar, pesquisar, atuar com louvor. Mas é difícil... sendo mulher e paciente, é tão difícil acreditar nisso. Outro dia mesmo saiu um bafão sobre estudantes de medicina que fizeram uma foto muito infeliz de calças arriadas e tags horrendas. Olha a que ponto chega... vocês realmente acham que é radical demais não querer estar sobre os cuidados desses caras??? É extremista? É lamentável? Não aceito o “era só uma brincadeira” como resposta porque com saúde e com violência não se brinca.

Eu gostaria muito que os homens que me atiraram pedras pela minha manifestação compreendessem todo o pano de fundo da minha afirmação. Não é questão de homem melhor que mulher, mulher melhor que homem, não estamos mais na 4ª série. As questões de gênero nos cuidados medicinais devem ser abordados na própria graduação porque ainda não são. Pessoas com falta de sensibilidade não deveriam se formar médicas, e, queiram ou não, infelizmente, a falta de sensibilidade paira, pela cultura machista, muito mais sobre os homens do que sobre as mulheres (“aaah mas eu conheço um cara que é super sensível...” eu também, mas eles são exceção).
Eu gostaria muito que os homens que me atiraram pedras, em vez de estarem ajudando outro homem a me violentar, perguntassem como eu estou, se preciso de ajuda, que me indicassem algum médico melhor, perguntassem a outras mulheres a respeito do tema, conversassem com seus amigos homens. Mas claro que é querer demais, isso não faz parte da cultura machista. O único cara que veio inbox me perguntar sobre o que estava rolando e se eu estava bem foi o pai de uma menina que está tentando colocar um ginecologista na justiça por abuso. Todos os outros aproveitaram do post pra enaltecer seus egos e bradar o quanto me posicionei radicalmente, cometendo um  pecado, usaram do próprio feminismo para dizer que eu estava errada. E é por esse tipo de repúdio e resposta masculina que mais e mais mulheres tem se negado a frequentar um consultório médico de um homem e tem participado e promovido convivências terapêuticas com outras mulheres, como os círculos de mulheres, de sagrados femininos, discussão sobre terapias alternativas que valorizem a sensibilidade e intuição feminina. Sério, homens, se vocês não reverem o modo como dão chilique ao se deparar com uma postagem de facebook, vai ser cada vez mais cada gênero pro seu lado e isso não é interessante pra ninguém.
Isso só me faz perceber, por fim, que o feminismo precisa ir muito adiante ainda pra gente conseguir se unir de verdade e alcançar o mínimo, que é a compreensão, irmandade e o respeito. 

14 de março de 2017

Roda de Responsa


A roda tem a função de ser sempre agregadora. Mesmo sendo um formato fechado, há sempre espaço para a curiosidade de quem passa, para as palmas de quem se anima, para a compreensão de quem assiste.

Qualquer um pode entrar na roda, qualquer um mesmo. Inclusive – e principalmente – aqueles que são inexistentes aos olhares da sociedade. Os mendigos, os bêbados, os moribundos, os cães e todo o povo das ruas, pois, se uma roda acontece na rua ou numa praça, acontece sim na casa destes. São os anfitriões das constantes festas que muitas vezes nem consentem, por isso a eles pedimos licença e permissão para rodar.
Numa ciranda nos olhamos todos e nos sabemos, nos ritmamos, nos firmamos juntos no importante ato de cantar.
Num jongo, numa roda de coco ou de capoeira, evocamos o jogo, a brincadeira. Quem vai ao centro carrega consigo a responsabilidade de mostrar a quem está de fora, que o brinquedo é pra todos e é necessário deixar o outro com vontade de brincar também... Porque é fácil, porque é bom!
Então o outro vem e tira, e compra o jogo já começado e assume assim a responsabilidade de instigar o outro a estar ali no seu lugar.
Trocar esse fluxo responsável é imprescindível. É um egoísmo muito grande querer estar sempre ao centro. A delícia de brincar é a partilha do brinquedo!!!
Responsável também é quem canta e quem conta. Quem puxa um ponto, um corrido, uma ladainha ou uma história, puxa pra junto de si a função de agregar, ensinando a resposta e o refrão, insinuando os fatos, improvisando, divertindo. Quem canta e conta nunca é triste, mesmo quando sua cantiga é um lamento, o sorriso acolhedor do cantador faz com que o lamento seja partilhado, amenizando a dor de quem sente, dando conforto e mostrando que a roda cura.
Numa roda trocamos energia pelas mãos, pelos pés e pelos olhos e o fluxo é intenso. O movimento faz toda a energia circular. Se temos sons, com tambores ou palmas, fortificamos a roda e a nós mesmos. Todos os nossos ciclos circulares, como somos uma roda d’água, ficam limpos, cristalinos e assim ficamos sempre mais aptos a lidar com o mundo, sabendo das voltas que a vida dá, nos equilibramos com ela e nos resolvemos como viventes. A vida flui dentro da roda!
Se te sentes inseguro, triste, sem vida e estiver andando por aí e encontrar uma roda, de qualquer coisa que seja, numa praça, não hesite em parar e entrar, pois com toda certeza ela te acolherá.


9 de março de 2017

9 de Março

Maria acorda as 5h - porque o marido acorda as 6h - na pontinha dos pés pra não atrapalhar. Na cozinha, no maior silêncio, faz o café, frita dois ovos, depois penteia os longos cabelos para não ser vista descabelada, caminha calmamente até o quarto e o chama. Fosse ontem, no que abria os olhos já ouvia “deixa, amor, hoje é seu dia, eu faço o café pra você!”, uma alegria com fim, que só lhe é de direito em 3 datas: dia da mulher, dia das mães e no seu aniversário. Hoje não, hoje escutou o “já vooooooooooou” de sempre. Acordou a filha mais velha que precisa comer antes pra deixar a louça lavada e que assim o fez. Acordou o menino birrento, que já aos gritos anunciava que não ia pra escola. O pai aos gritos dizia que “vai sim senhor, quer ficar burro???” e assim se fazia normal o começo de dia, mais um de tantos na vida da Maria.
Maria tomou a primeira condução as 7h30 e hoje ninguém quis falar com ela. Fosse ontem, no que pisasse no primeiro degrau do ônibus já recebia um caloroso “Bom dia, parabéns pelo seu dia!” do motorista, acompanhado do sorriso falso do trocador que dava uma piscadinha e consentia com a cabeça e em seguida, ao passar a roleta, um moço novo e bonito lhe entregava um botão de rosa vermelha. Hoje não. Hoje ninguém olha na cara. Hoje não merece nem bom dia.
No trabalho, serviço pesado, zeladora do escritório, Maria volta a trabalhar absolutamente sozinha no andar. Fosse ontem, no que empunhasse a vassoura e o balde, já recebia um grande elogio “Maria que é exemplo, mulher guerreira!!” e, depois, uma oferta de ajuda aqui, acolá “ô Dona Maria, esse balde tá pesado pra senhora, deixa que eu carrego”, “Maria pode deixar que hoje eu mesmo organizo minha mesa”. Hoje não. Hoje o balde continua com o mesmo peso mas ninguém oferece ajuda, hoje a responsabilidade pela própria organização não existe. Até um esporro do chefe Maria levou porque não deu tempo de fazer o cafezinho. Ontem não precisou. Hoje deveria ter prestado atenção e feito mais antes de acabar.
O almoço lhe pagaram ontem, hoje Maria requentou o resto que sobrou do jantar que a filha fez em homenagem. Requentou a lembrança de ontem, o dia calmo, respeitoso, cheio de amor, até o filho lavou a louça à noite e até ela pode tomar uma cervejinha com o marido!
Chega em casa cansada, exausta, acabada. Ontem ganhou massagem nos pés. Hoje não. Beliscou duas bolachas que estavam num pacote aberto largado em cima da mesa e pôs-se a varrer a casa, passar as roupas, checar a lição de casa do mais novo... quando percebe, são 9 da noite e o marido ainda não chegou. Liga, não atende. Entristece. Vê a novela, toma um banho e está disposta a deitar... Liga, não atende. Fosse ontem, depois do jantar em família, de beijos de parabéns, o amor os esperava na cama com direito a cerveja e docinhos. Hoje não. Dorme só.
3 da manhã, o marido chega, bêbado. Fosse ontem, estariam agora com os corpos entrelaçados e suspirando longamente, num sono profundo de casal que se ama a noite toda. Hoje não. Hoje a madrugada é do susto. Da porta abrindo aos chutes e dos gritos “Mariaaaaa!!! Sua puta!!!”. O marido a tira da cama aos coices e puxões de cabelo. Grita sem saber o motivo, sente ódio e o deposita no rosto de Maria com tapas e arranhões. Ontem não teve grito, ontem não teve ódio, ontem não teve briga. Maria senta na cama com as mãos cobrindo o rosto, o choro, a angústia e em meio aos soluços sente que consegue reclamar de algo... olha no fundo dos olhos do marido e, querendo também gritar, sussurra:
- Eu queria que todo dia fosse ontem.

1 de março de 2017

O machismo é um choro entalado na garganta de um homem

O choro é uma das poucas manifestações de sentimento que não conseguiram nos tolher. O machismo não conseguiu, nunca, calar nosso pranto... Mesmo o mais baixinho, escondido pro travesseiro até o barracudo aos berros. Mulher ganhou fama de chorar por qualquer coisas e isso nunca foi uma vergonha pra gente... A gente chora mesmo, chora pra caramba! Chora de dor, chora de rir, chora de vergonha, de ódio, de felicidade. E o homem não. “Homem não chora”, “homem que é homem não chora”. Quase choro de dó de um ser que criou uma cultura tão auto-opressora e que agora não pode mais nem chorar. Já pensou quantos sentimentos não são expressos por conta de uma cultura absurda que é o machismo?? Você homem, já fez as contas de quantos choros engoliu no cinema, na frente dos seus pais, dos amigos, na escola, na rua, no trabalho (NA FRENTE DO SEU CHEFE)??
 Enquanto você engole o choro, a opressão engole você!
Quando eu era professora, percebia que nem os homens que ainda eram muito meninos eram poupados dessa besteira. Pais, mães, profes, todos reprimiam os meninos que choravam na escola. Menina ganhava abraço, carinho, menino ganhava cara feia e sermão: “Que feio, um HOMEM do seu tamanho chorando feito um bebezinho” (quando não era “chorando feito mulherzinha, menininha” e afins machistas). E isso tudo, eu noto, vai se refletindo em outras formas de se expressar. Conheço poucos caras que realmente gargalham, por exemplo. Qual é a necessidade machista de moldar homens insensíveis? Se reproduzir – a máxima biológica com a qual tentam justificar o machismo - que não deve (ou não deveria!) ser. Assim, nessa insensibilidade, indo pra lados mais extremos, surgem as violências. E neste quadro, quem é sensível é sempre “mais fraco”. Porque chora. Porque grita. Porque a forma de resistência sensível dificilmente vai ser responder a um ataque da mesma forma como ele veio. E o homem, ah esse fortão, que não chora, que não abaixa a cabeça pra nada, que não dança e não desenha flores, está lá com as lágrimas e as gargalhadas trancafiadas no nó da gravata apertando na garganta. Pra fora, só murros e pontapés porque é assim que um homem de verdade se expressa. Será?
Quando digo que um homem, qualquer um, deveria chorar mais eu não quero só que ele lembre da morte trágica do cachorro, da conta bancária negativa, do chute na bunda. Quando digo que um homem deveria chorar mais e melhor, eu falo sobre chorar diante de uma pintura no museu sem medo de “parecer bixinha” porque é sensível à arte (aliás, eu nunca entendi o medo que boa parte dos homens hetero tem de “parecer” qualquer coisa como se precisassem o tempo todo justificar ao mundo o que são e o que não são). Eu falo de escutar aquela música que lembra uma viagem e desandar com isso. De ver fotografia e chorar. De ver filme e chorar. De ver desenho e chorar. Ver novela e chorar. De pegar os cadernos da oitava série e ver que tá lá uma tag do cara que era seu melhor amigo e você nem sabe que fim levou. Eu falo de encontrar esse cara e chorarem juntos esse encontro.

Chore e eduque os meninos mais próximos de que pode chorar sim, principalmente de emoção, o choro é livre! E não oprima o choro alheio. Quem chora quer abraço e não cara feia, seja abraço de conforto ou de comemoração, permita que partilhem o choro contigo, chore junto, experimente se compadecer também. Sem essa frescura de “homem não chora”, sem medo, sem machismo pra cima do seu próprio choro, do seu próprio riso, da sua própria emoção, na moral mano, chore mesmo.