25 de abril de 2017

Um texto para os homens: Porque a saúde da mulher não pode, por enquanto, ficar nas suas mãos

Hoje pela manhã fui ao ginecologista. Este era um homem com mais de 30 anos, branco e de pouquíssimo assunto. Fui extremamente mal atendida mas mais adiante conto como foi. Cheguei em casa, fiz um chá pra me acalmar e acalmar a dor que senti do procedimento de açougue ao qual fui submetida pelo médico ao passar pelo exame preventivo, famoso “Papa Nicolau”. Fiz também uma postagem no Facebook dizendo que deveria ser proibido homem ser ginecologista.
Bem, sem novidade, choveu repressão masculina (e algumas femininas) nos comentários. Infeliz, extremista, fascista, quero ver quando for emergência, antidemocrática, pesado... tudo isso e mais por vir. Ok, todo mundo tem direito de se manifestar, postagem pública, tá tudo certo. Do alto do poder da masculinidade, vários homens vieram me falar sobre o quanto eu estava sendo radical em não gostar que o meu corpo por vezes passe por cuidados masculinos. Triste realidade. Mais uma vez homens querendo deter nosso parco poder de decisão. Eu prefiro mesmo que uma mulher cuide de mim e conheço muitas mulheres que também preferem.
Depois, avaliando vários argumentos, lendo um pouco e matando a curiosidade, percebi que talvez o problema não seja mesmo a ginecologia estar sob os cuidados masculinos mas sim a medicina como um todo ter sido feita, criada e planejada a partir do ponto de vista do homem e, é claro, os homens não saberem e não enxergarem isso.
Coisas que você, homem, talvez ainda não saiba sobre procedimentos ginecológicos:
Primeiro de tudo é importante deixar limpo que todo e qualquer procedimento ginecológico é extremamente INVASIVO. Desde a pressão psicológica que os médicos e médicas fazem para que tomemos pílula anticoncepcional, por exemplo, até os nossos exames corriqueiros como o “Papa Nicolau” e outros não muito comuns como trans e intravaginal. Olha só, se você não entendeu vou dar um exemplo bem legal.
Sabe aquelas piadinhas que vocês homens fazem sobre o exame da próstata? Que vários homens se recusam a fazer pra ninguém enfiar o dedo no cu deles e muitos inclusive morrem por conta desse preconceito/machismo? Pois é. Todo homem, antes de realmente precisar passar por um exame de toque, agora pode fazer apenas um exame de sangue e é este exame que vai dizer se precisam fuçar no seu rabo ou não. Legal né?
Esse tipo de “avanço medicinal” não acontece para a saúde das mulheres com tanta frequência. Até hoje, para detectar possíveis dsts, problemas com fertilidade, medição do tamanho do útero, introduzem objetos de aço inox (que um dia já foram de ferro), câmeras e objetos para raspagem nas nossas vaginas. Um exame Papa Nicolau – que qualquer mulher faz pelo menos 2 vezes ao ano – nada mais é do que a coleta da raspagem de um pedacinho de pele do colo do útero da mulher. Sim, eles RASPAM e tiram um pedacinho pra por num pote. Dá até um arrepio, né? Várias vezes o/a ginecologista “erra a mão” e SANGRA, podendo causar feridas e, em casos extremos, perfurações e isso pode acarretar em hemorragia e infertilidade. Pergunta pras minas que você conhece se elas acham bacana ir ao médico toda vez com essa insegurança.
Aí moram as diferenças e os privilégios. Muitos homens se recusaram a fazer o exame de próstata porque é um exame invasivo? Ok, criamos um jeito de detectar pelo sangue. Quando as mulheres deixam de ir ao ginecologista por sofrerem abuso, estupro ou serem vitimas de erro médico, quando alguém fica sabendo, muitas vezes apenas o médico em questão recebe uma advertência e tudo passa, ninguém pensa na melhoria e no conforto nosso. Isso quando a gente não é taxada de louca varrida porque resolveu reclamar.
Você, homem, tem noção de quantas mulheres simplesmente abandonam a frequência anual no ginecologista e deixam de cuidar da saúde por simplesmente não serem bem atendidas? Ou quantas mulheres procuram exaustivamente por atendimentos com médicas mulheres e acabam pagando particular (ou deixando de lado) porque o posto de saúde próximo não oferece uma ginecologista mulher? Acho que não né?
Eu não queria nem entrar no mérito do abuso e estupro porque realmente não foi o meu caso, mas merece espaço pois, chegaram a me dizer hoje que desvios de conduta podem acontecer em qualquer profissão. NÃO!!! ELES NÃO PODEM ACONTECER NUNCA! A gente tem que parar de naturalizar os erros e a violência, sobretudo dos homens, que os cometem mais e mesmo assim saem impunes em muitas situações.
A maioria dos motivos pelos quais as mulheres evitam se consultar, não só no ginecologista mas em qualquer área, com homens é justamente pelo medo do abuso. MEDO DE ABUSO. Já pensou? Você está na salinha da recepção com MEDO de que a pessoa que estudou 8 anos pra te atender te violente de alguma forma. Leia-se violência não só como uma agressão física mas sim como uma apalpada indevida, uma cantada (ou “elogio” desnecessário), uma pergunta mal intencionada e também não só no sentido sexual mas existem as violências como a que eu sofri hoje, por exemplo, de uma coleta de preventivo extremamente grosseira, dolorida e que me fez sangrar muito... a ponto do próprio médico, tentando não demonstrar aflição, perguntar se eu não estava menstruando. A violência esteve para mim hoje no “perguntei só porque preciso anotar isso no prontuário, não quero saber seu histórico” quando comecei a contar sobre alguns ocorridos que considerava importantes em uma consulta ginecológica. A violência está para várias mulheres dessa e de outras tantas formas em consultórios ginecológicos....E ainda nem vou falar sobre obstetria, sobre abuso de poder, sobre cirurgia mal feita... vixi!
Eu compreendo que essas coisas variam de profissional pra profissional e que existe mesmo muito homem ginecologista bom e do bem. Hoje poderia ter acontecido tudo isso com uma médica mulher, eu sei. Sou super a favor de que se o cara percebe que a saúde da mulher é a sua vocação, tem que ir em frente mesmo, estudar, pesquisar, atuar com louvor. Mas é difícil... sendo mulher e paciente, é tão difícil acreditar nisso. Outro dia mesmo saiu um bafão sobre estudantes de medicina que fizeram uma foto muito infeliz de calças arriadas e tags horrendas. Olha a que ponto chega... vocês realmente acham que é radical demais não querer estar sobre os cuidados desses caras??? É extremista? É lamentável? Não aceito o “era só uma brincadeira” como resposta porque com saúde e com violência não se brinca.

Eu gostaria muito que os homens que me atiraram pedras pela minha manifestação compreendessem todo o pano de fundo da minha afirmação. Não é questão de homem melhor que mulher, mulher melhor que homem, não estamos mais na 4ª série. As questões de gênero nos cuidados medicinais devem ser abordados na própria graduação porque ainda não são. Pessoas com falta de sensibilidade não deveriam se formar médicas, e, queiram ou não, infelizmente, a falta de sensibilidade paira, pela cultura machista, muito mais sobre os homens do que sobre as mulheres (“aaah mas eu conheço um cara que é super sensível...” eu também, mas eles são exceção).
Eu gostaria muito que os homens que me atiraram pedras, em vez de estarem ajudando outro homem a me violentar, perguntassem como eu estou, se preciso de ajuda, que me indicassem algum médico melhor, perguntassem a outras mulheres a respeito do tema, conversassem com seus amigos homens. Mas claro que é querer demais, isso não faz parte da cultura machista. O único cara que veio inbox me perguntar sobre o que estava rolando e se eu estava bem foi o pai de uma menina que está tentando colocar um ginecologista na justiça por abuso. Todos os outros aproveitaram do post pra enaltecer seus egos e bradar o quanto me posicionei radicalmente, cometendo um  pecado, usaram do próprio feminismo para dizer que eu estava errada. E é por esse tipo de repúdio e resposta masculina que mais e mais mulheres tem se negado a frequentar um consultório médico de um homem e tem participado e promovido convivências terapêuticas com outras mulheres, como os círculos de mulheres, de sagrados femininos, discussão sobre terapias alternativas que valorizem a sensibilidade e intuição feminina. Sério, homens, se vocês não reverem o modo como dão chilique ao se deparar com uma postagem de facebook, vai ser cada vez mais cada gênero pro seu lado e isso não é interessante pra ninguém.
Isso só me faz perceber, por fim, que o feminismo precisa ir muito adiante ainda pra gente conseguir se unir de verdade e alcançar o mínimo, que é a compreensão, irmandade e o respeito. 

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