29 de janeiro de 2017

Crise de Novo?

São 9 da manhã, o céu está nublado, o que não é novidade na cidade onde moro (ia dizer “onde vivo”... mas às vezes não me sinto muito viva nesta cidade). Visto uma blusa amarela afim de me impor sobre o mau tempo, eu não quero ceder nunca ao cinza triste – quando eu era adolescente, minha mãe me acordava com  um grito de guerra “hei de vencer!”. É claro que sim. Hoje vou rever boa parte dos colegas de turma. 4 meses longe. 3 de férias e mais um mês cansativo em greve. Me sinto um pouco aliviada pelo retorno da rotina, gera uma expectativa, um calorzinho bom.
Chego na sala de aula. Meu mundo amarelo quase cai. Respiração celular e um comando da orientadora para interagir com o ambiente, com as pessoas e a minha disposição é grande mas nada recíproca.  Todos são cinza como o dia. Todos só querem recolher. Eu penso, maldosamente, que não deviam ter saído de casa.
Na roda de conversa, prática comum ao fim da aula, só reclamações, situação de crise de identidade, de profissão, de escolha, todo mundo com problema com o curso logo no primeiro dia de aula e eu me questiono se eu também estou assim. Não estava. Mas a sementinha problemática foi plantada. Eu não vou reclamar da minha vida, da minha sorte, do dia, dos outros, do meu emprego, eu gosto de tudo isso. E, por sempre ser mais prática, diferente da maioria, não gosto muito de reclamar, gosto mesmo é de transmutar.
Ah.. a sementinha da problemática. Ela sempre faz a gente questionar e querer saber por que e como acontecem os empecilhos que aparecem no caminho. Entrei na graduação em Dança em 2012 e não sabia direito o que queria ali, mas estava realizando um sonho antigo. Foi difícil sair de casa, me afastar da família, de um namorado que eu amava muito, das minhas raízes, dos lugares confortáveis, mudar pra uma cidade grande sem conhecer quase ninguém.
Eu cheguei aqui e desbravei os caminhos que muitos já trilharam. Pra mim, um caminho cheio de novidades e tudo o que olho nesse caminho me parece lindo, porque me encanta muito toda brisa que cheira o que não conheço. Fui tentar me construir melhor na dança contemporânea, que permeava a zona de conforto e o curso tem força nisso, os professores unanimemente gostam, seria um bom campo pra continuar meu esforço. Mesmo que muito libertária, não me sentia tão contemplada de corpo e alma. Eu queria mais do que a técnica, mais do que pensar o corpo, os órgãos, o silêncio e a pausa. Precisei, mais uma vez, transmutar pra não reclamar. Fui conhecendo gente, fui vendo as coisas e a rua me levava pros caminhos das tradições. Toda novidade a que me abria tinha relação com o ancestral, com raízes fortes, com origens, com as cachoeiras da minha cidade, com a saudade, com uma linhagem familiar perdida que até agora não consegui conhecer direito. E a sementinha brota... quem sou eu, nisso tudo, afinal?
 As escolhas na dança que venho fazendo desde o fim de 2012, vão me aprofundando num caminho que não dá mais pra saber em que direção estou indo. Quanto mais sigo em frente, mais sinto necessidade de entender o que ficou pra trás e eu nem vi. A relação passado-presente-futuro na construção de uma dança que é “minha” é cada vez mais importante na tentativa de me fazer sentido no mundo. Me observo no passado pensando em técnica, extensão, preocupada em agradar por ter um alongamento, tentando com sofrimento fazer um salto perfeito, na estética de bailarina que nunca tive, sendo cobrada, algumas vezes depreciada mesmo sem sofrer com isso, achava que podia sempre me esforçar mais e mais... Aquela velha mentira sobre perseverança “no pain – no gain”, eu realmente acreditava nessa bobagem. Me observo agora sendo elogiada por entrar numa roda de Coco com alegria, por inovar, pela entrega e dedicação que transpareço quando toco Maracatu, quando estou no Jongo, no Samba de Roda sem peso, sem dor, só respeito, felicidade e curiosidade. Por que isso tudo? Eu penso. Por que ninguém nunca me elogiou quando eu realmente me esforçava ensaiando 4, 5 horas a fio uma coreografia que arregaçou meus joelhos? Qual a relação disso tudo com quem eu sou? Será que essas danças tradicionais, ancestrais, primitivas, estavam arquivadas na minha genética? Eu estou aprendendo algo novo ou resgatando algo que sempre esteve em mim? Volto a pensar no primeiro dia de aula... Isso pra mim é Respiração Celular de fato! É isso! As minhas células respiram assim, respiram a pisada do Toré, respiram a umbigada jongueira, respiram o trupé. As minhas células respiram em compassos de 6 por 8, elas tem um remelexo que não encontro espaço pra mostrar na faculdade, só encontro na rua! E, esperando talvez encontrar uma resposta pro que não se responde, pode ser que eu tenha mesmo errado em sempre escolher o institucional para progredir na arte quando minha arte é feita de gente, chão batido, sol ou lua.

Mas persisto. Não é possível que não exista espaço dentro da universidade pras células que respiram amarelas a alegria de bater mãos e pés. E também, já que falo tanto de raiz, tenho nas minhas veias o brado de minha mãe pela manhã “HEI DE VENCER!”.

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