O escândalo da garganta calejada, arranhada, fodida, grita
entre inspirações de quem procura desesperadamente um pouco de ar e tosse...
tosse... tosse. A tosse domina o vazio de sons da casa, respira o próprio suor,
geme, dói.
A febre se instala nas têmporas, nos cabelos, escorre os
fios, encharca o travesseiro. 37, 38... 40º aguardando ansiosamente a explosão
das sinapses, o momento do delírio, de não precisar mais fazer sentido e
respirar um ar mais quente ainda e... tosse!
O corpo espasma a cada novo ataque. Tosse, levanta, vira de
bruços, pros lado, se contorce, chora, tremula como a chama da vela acesa ao
lado da cama. Um velório vivo.
A língua amortece de dor, as pálpebras se apertam com força,
a boca entreaberta procura fôlego, as narinas escorrem transparente a mesma
água que bebe nos intervalos, o peito chiando por cuidado – carência - as
paredes brancas se riem da doença, os pés se entrelaçam e esticam querendo
furar as cobertas, querendo fugir sozinhos pra outro corpo que os resolva a
necessidade de caminhar. Traqueia, faringe e laringe urram, desejam ser
expelidas junto com a saliva e os vírus. Tosse!
Inala o alívio de somente os desenhos das paredes
presenciarem cena tão humilhante e deplorável que é tossir sem cessar. Inalívio.
Não alívio. Na verdade alivia o ego e não a dor.
Sua trêmulo, corpo frio, frito, fino, definha. Aos poucos
recupera o respirar digno que ainda resta aos moribundos, tenta e tosse, senta
e tosse, derruba o corpo livre e amortecido na cama e balbucia a primeira coisa
que a febre permite numa perca total: orgasmo. Tosse.
Um comentário:
"Inala o alívio de somente os desenhos das paredes presenciarem cena tão humilhante e deplorável que é tossir sem cessar"... loco, heim! =)
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