Leonardo era jovem, bem sucedido profissionalmente, querido
pelos amigos, adorado pela família e desejado por boa parte das mulheres do seu
trabalho, do cafezinho da esquina, do restaurante e do condomínio. Sério e
centrado, não saia muito, não viajava muito e nunca teve uma paixão de verdade,
dessas que ardem o peito, que dá vontade de gritar de alegria, de correr na
chuva, de olhar a lua, de conversar com os velhinhos na praça.
Num dia de chuva, seu coração começou a minguar. Sentia-se,
pela primeira vez na vida, sozinho. Via o tamanho de sua solidão no próprio
reflexo no vidro da janela. Uma solidão que invadia e tomava conta dos pingos,
do vento, do vidro, das plantas, das roupas que vestia, do cabelo desarrumado,
da xícara de café, de sua pele, de seus ossos, do seu rosto. Seu coração
prosseguiu a minguar. Mesmo com tanta coisa que tinha, com tanta gente que
conhecia, encontrava-se só, vendo a chuva, assistindo o tempo, sem ninguém além
d’ele mesmo.
Após dias se deixando torturar por uma solidão estúpida,
Leonardo decidiu que, talvez, se encontrasse uma companheira, essa sensação de
que bebera seu último gole de vida fosse embora e desse lugar ao... amor.
Não sabia direito como e aonde procurar, mas não precisou de
muito esforço, a vizinha do 208, moça bonita e delicada, há muito tempo já
demonstrava por ele grande interesse. Leonardo queria ser como um príncipe,
queria ser o grande amor da vida de alguém, resolveu se aproximar.
Uma conversa no elevador, outra no corredor, uma gracinha,
um gracejo, um sorriso, um riso, um favor. Uma troca de lâmpada, um pote de
picles para abrir, uma sacola pesada para carregar, uma gracinha, um gracejo,
um sorriso, um riso, um buquê de rosas sendo entregue no 208 pela manhã, um
convite para jantar.
Leonardo nunca tinha tido um encontro. Ele não sabia se era
exatamente assim que funcionava, mas já tinha visto em dois ou três filmes e
tinha dado tão certo. O sentimento de coisa inédita fazia com que ele não se
sentisse mais tão sozinho assim. Sentia-se feliz em reservar o melhor lugar no
melhor restaurante, em passar gel nos cabelos, usar um perfume mais caro,
escovar bem os dentes, ensaiar o convite para passarem a noite juntos em seu
apartamento. Ele sabia que a encantaria e que tudo correria maravilhosamente
bem, como um mês que começa no domingo, fazendo os dias parecerem certos.
No horário marcado, foi tocar a campainha do 208 e lá estava
ela, linda, como ele nunca havia visto ninguém ser. Um ardor dominava seu peito
e ele só tinha vontade de tê-la nos braços por todos os próximos dias da sua
vida, em todos os momentos, em todos os segundos, então ele teve certeza de
estar apaixonado e do quanto tanta solidão o fez descobrir sobre as
necessidades da vida.
Um amor... um amor que não eram papeis, que não eram as
coisas, um amor ali na sua frente, de vestido bordô e cabelos soltos, sorriso
largo e olhos brilhantes. Era tudo o que precisava.
Jantaram e riram a noite toda, Leonardo sentia-se
transbordando de vida. Um vinho branco do mais caro para brindar, um tinto para
acompanhar o jantar; na sequencia dos beijos, um drinque, uma bebida fraquinha,
uma coisinha diferente.
Olharam a lua cheia, longe, brilhando, redonda e linda, Leonardo,
que nunca se importou muito com a noite, sentia prazer em ver sua luz e ver sua
amada envolta por aquele brilho celestial, sentia uma felicidade que qualquer
palavra é pouco. Sentia vontade de gritar, de dançar, de rir muito alto. Com as
palavras um pouco atrapalhadas pela bebida, conseguiu dizer quase que
exatamente o que tinha ensaiado, convidou-a para dormir com ele. Seu coração
ficou cheio quando ela disse que sim.
Chegaram ao apartamento e Leonardo já havia se preparado
para a resposta tão querida, um cheiro bom de casa limpa e móveis novos pairava
no ar, na vitrola, um Frank Sinatra pronto para tocar, uma garrafa de champanhe
gelando, um lençol de seda. Beberam um pouco mais, e Leonardo, mesmo
desacostumado ao álcool, sentindo que as coisas se moviam, não se preocupava
porque estava tomado de uma anestesia chamada felicidade.
Deitaram na cama e os longos beijos fabricavam sonhos na
cabeça de Leonardo. Queria mais daquilo, todos os dias, até morrer. Queria
aquelas curvas, aquela mulher, aquelas mãos, aquele cheiro na sua cama, ao
dormir e ao acordar, queria ver aquele sorriso, olhar aqueles olhos, afagar
aqueles cabelos, sentiu o que é querer algo para sempre.
Com uma embriaguez que não lhe cabia mais na consciência,
foi fechando os olhos, o corpo pesou no colchão e a respiração foi acalmando,
ficando solta, livre... livre como as imagens que passavam diante de seus olhos
fechados. O auge do amor foi também o auge do sono. Sem conseguir entender se
era tudo devaneio ou fato, deixou-se levar pelo sono infantil.
A moça do 208 não gostou muito da ideia, sentiu-se o próprio
tédio, pensou em chorar, considerou desistir, achou que talvez ele não gostasse
dela tanto assim, questionou-se se valia a pena mas percebeu que haviam bebido
demais e que o sono também começava a querer derrubar seus olhos. Vestiu os
sapatos, fechou a porta de vagar, subiu as escadas e foi se encontrar com o
corpo gostoso de sua própria cama.
2 comentários:
"(...) como um mês que começa no domingo, fazendo os dias parecerem certos." Adorei essa frase... assim como o texto todo. Muito bom!
Olá!! Poxa..Leonardo!
Que tal começar novamente ?....
Olá...apezar do final inesperado
foi emocionate...
Parabens pela criatividade.
Sinval
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