17 de agosto de 2010

Ensaio Sobre a Sujeira

Eu estou na craca do prato do almoço de domingo que você insiste em remover até me transformar em uma simples mancha. Você pensa que eu fui embora mas ainda estou lá, pequena, quase invisível. Você me nota, me olha, me analisa e me deixa. Fico mancha.
Estou na sua cabeça, embora você pense que me esconde.
Estou na sua boca quando você fala; e quando cala, gosto do calor entre seus dentes. Desço faringe, esôfago, fígado, estômago e sou mais intensa ao passar pelo pâncreas, percorro seus intestinos e você me manda embora, mas logo me formo mais uma vez dentro de você.
Entrei na sua casa através das botas do vizinho e fiquei encalacrada feito barro seco no tapete bege da sala, o aspirador de pó não deu conta de mim.
Estou o tempo todo dentro do seu nariz, você me respira incansável.
Deito contigo todas as noites, tomo forma de ácaro para que não me veja, só sinta. Irrito sua pele, embaraço seus cabelos e entro em você pelos seus poros mas, imediatamente, saio, porque também sou teu suor.
Estou em baixo das suas unhas, nos vãos dos dedos dos pés, incrustrada nos seus pelos, nos olhos e em tudo o que você olha.
Eu fico na toalha molhada que você pendura atrás da porta, subo a porta e as paredes, sou umidade, sou fungo, sou o mofo.
Estou nos pés descalços das crianças que bricam na rua, no meio dos seus livros, no trânsito, nas cortinas, nas costas das formigas, no ar.
E você pode até pensar que não, pode até não aceitar... mas eu te conheço no mais íntimo; você, as pessoas que julga conhecer e todas as outras que despreza.

2 comentários:

BANDO DA LEITURA disse...

bem lixo eletrônico ou seria augusto dos anjos

isbela disse...

intenso como se nao fosse eletronico