12 de março de 2006

Bêbado

Estavamos todos no pátio da escola assistindo ao jogo de vôlei das meninas mais velhas quando ele chegou.
Ele. Não se sabe ao certo se tinha uma identidade. Era sujo, maltrapilho, unhas enormes, fedia como um cachorro imundo que anda nos dias na chuva. E vale ressaltar também que era feio. Muito feio. Embora não estivesse frio, trazia um cobertos nas costas.
Invadiu a quadra e, bastava que se desse uma olhada no sujeito para perceber que era muito viajado. Inclusive, naquele momento mesmo, estava bem pra lá de Bagdá... muito longe mesmo. Aos berros dava as ordens do jogo e dançava por entre as jogadoras enquanto todos parados o avaliavam da aba do boné até as pontas do sapato bico-fino.
A situaÃção estava um tanto cômica e triste ao mesmo tempo. O homem conseguiu fazer com que a professora organizadora de jogos do colégio chorasse de raiva de ter o sucesso dos seus jogos interrompido por um "mendigo bêbado" e provocou risos com suas trapalhadas na maioria das pessoas. E disso o homem não gostou nenhum pouco. A cada risinho ou coxixo que escutava berrava tal qual um sargento: "Calem a boca, seus merdas! Eu é que mando aqui! Vocês só me obedecem!"
Quando ninguém aguentava mais e nenhuma atitude tinha sido tomada até então, o bêbado falava da vida que levava quando era militar e da época em que havia estado com Hitler e que, na verdade, aquele bigodinho que Hitler tinha era postiço. Ele mesmo os fazia de pentelhos de judeus.
O homem morou na França e esteve lá, ao lado, quando Van Gogh cortou a orelha. Presenciou o suicí­dio de Getúlio Vargas. Era amigo í­ntimo de Cabral, mas já morava no Brasil. Ajudou a produzir a primeira telenovela brasileira. Pensou e soube que não sabia de nada mesmo juntinho com o Socrates. Entregava cartas na rua XV.
E agora estava ali, quase caindo, no pátio da escola. E eu acho que ele era gay.

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