22 de janeiro de 2006

7:51

Como se fosse uma obrigação, ela acordava às 7:51 da manhã com a cabeça estourando de dor, espreguiçava e gritava "corre, Forrest, corre!".
Morava sozinha, semanalmente chamava alguém para dar uma "geral" na casa.
Gostava de bossa nova e trabalhava das 13h Ãàs 20h numa loja de coisas antigas. Vendia de tudo, bastava que fosse velho e tivesse um pouco de pó por cima.
A maior parte do seu salário ia em mercadorias da loja em que trabalhava. Mobí­lias, roupas, livros, discos, objetos. A outra parte ia em pagamento de aluguel, luz e água. Não tinha telefone.
Costumava comer sanduí­ches baratos de esquina e comida congelada. Não sabia cozinhar.
Desde a hora em que acordava começava a bolar coisas, engenhocas mesmo, desenhava máquinas que não sabia dizer bem ao certo para que poderiam ser úteis. Criava peças novas de automóveis. Inventava novos tons de cor. Ficava lembrando das pessoas que lhe passaram pela vida; inúteis, todas.
Para ela, sua rotina era a coisa mais formidável do mundo. Mesmo quando chegava podre do trabalho: dois ônibus para ir, dois para voltar, sempre lotados fazendo com que ela se sentisse uma sardinha enlatada com suas amiguinhas sardinhas.
Na verdade, ela sabia que, depois de tanto tempo pegando ônibus lotados e espirrando com a poeira da loja, ela tinha se acomodado com tudo isso. Mas é tão bom se acomodar com as coisas do jeito que elas são.
Quando o sono batia, logo depois da "janta"(pão com ovo mechido, quase sempre), ela sentia que podia estar acontecendo tudo diferente. Bem rápido ela se recompunha e lembrava que no outro dia estaria dando seus espirros na loja e tudo estaria exatamente do mesmo jeito que foi deixado no dia anterior. "Amanhãeu ligo pra mocinha vir varrer esse tapete...". Virava pro lado e dormia.

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