Eu, que gosto tanto das formas, estou fadada a enxergar
apenas borrões de cores para o resto da vida... ou da vista.
Fui ao oftalmologista outro dia e, para meu espanto, minha
miopia aumentou mais do que o esperado de um ano para outro. “Esta será a nova
constância... até você completar uns 30 anos”, me disse o médico. A notícia me
doeu mais na alma do que nos olhos. Apertou-me o desespero de chegar aos 30
praticamente sem enxergar coisa alguma, já que, hoje, tudo o que vejo sem a
ajuda dos óculos são os vultos da matéria que realmente existe e do que invento
para me confortar.
Durante a consulta, senti que o médico desistiu de me fazer
enxergar as letras menores, pedindo para focar nas grandes. Me causou algum
tipo de tristeza e desconforto. Eu realmente gostaria de enxergar as letras
menores com a ajuda do aparelho, mas parecia que o aparelho não tinha lentes
para mim. “Você não precisa enxergar tudo”, me disse. Não preciso? Quem este
médico pensa que é para me dizer do que preciso ou não?
Vale lembrar que aos 15 anos, já míope, fui diagnosticada
com transtorno bipolar e excessiva ansiosidade. Tomei remédios pra me curar do
que hoje em dia eu chamo apenas de ‘sintomas do adolescente comum’ e de fato,
amadureci, fiz todas as cognições necessárias durante a adolescência e, hoje,
aos 22 anos posso me declarar parcialmente curada. Parcialmente, pois a tal da
ansiosidade ainda me acompanha em alguns momentos, como neste em que descobri
que cegarei. Sofro por antecipação e tendo a aumentar os problemas. Eu sei que
não ficarei cega - não através da miopia, pelo menos – mas aquece meu lado
dramático e minha veia mexicana pensar que sim. Portanto, descobri que aos 30
anos enxergarei tão mal, mas tão mal, que esse fato não poderá mais ser chamado
de ‘enxergar’, terá outro nome que, por enquanto, proponho que seja ‘cegueira’.
Segundo os meus cálculos, o assustador salto de 2.5 para 3.5
no olho esquerdo e para 4 no direito, somados aos terríveis 2 graus de
astigmatismo em cada olho, me colocam aos 30 anos com praticamente 10 graus de
miopia mais 10 graus de astigmatismo em cada olho e eu nem parei para pesquisar
se isso é humanamente possível!
Depois de refletir um pouco sobre a possibilidade de cegar e
me conformar com a constante perca de forma das coisas, passei a dedicar alguns
momentos do dia a miopia. Tiro os óculos e sou impressionista. Percebo as cores
com mais cuidado e tudo passa a não ter contorno – como de fato não tem – e agora
me faz todo o sentido o quanto penou um professor de História da Arte da
faculdade para explicar à turma o quão ridículo é querer contornar as coisas na
pintura. Porque a borda que a gente faz para diferenciar um objeto do outro
simplesmente não existe.
E, agora, rumando para o fim da minha nitidez visual percebo
aonde os borrões se encontram e se encaixam. Não há mesmo contorno, professor,
o senhor estava certo! Sempre esteve! Não me admira nada o fato de ser
professor... e míope.
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