11 de janeiro de 2007

Um Lar Doce Lar

Era uma vez uma mulher. Uma mulher qualquer, parecida com as outras.
Não, não era tão parecida assim. Ela era diferente porque nunca saía de casa.
Não saía pra comprar pão, não ia nas missas de domingo, não saía fofocar com as vizinhas.
A mulher adorava demais sua casa e era tudo o que ela tinha então não podia sair de maneira nenhuma.
Era uma casa perfeita. Pequena, porém muito confortável, um bom cheiro, uma bela cor e paredes finas. Ninguém nunca tinha entrado lá porque nessa casa só cabia a sua dona. A mulher preparava festas e bailava sozinha por horas, pintava quadros e os ajeitava cuidadosamente nas paredes e, vez ou outra, sentia uns arrepios estranhos nas pernas.
Um dia - a mulher não sabia se era um belo dia - o diabo veio atentar jesus em seu momento de meditação e, para ela, parecia que tinham entrado com um trator e derrubado a casa mas, na verdade, era apenas uma mão flutuante estendendo um comprimido em direção a sua boca.
Estranhando, ela achou que estava cansada demais, resolveu fechar os olhos e dormir um pouco.Nos outros dias as coisas continuaram todas exatamente da mesma forma, seguindo o mesmo curso.
Dois meses depois, a mulher resolveu engolir o tal comprimido e aparentemente nada mudou, a casa não ficou mal assombrada nem teve um transe místico, então passou a engolir periodicamente aquele comprimido, chegou até a acariciar a mão e o braço macio que vinha lhe visitar.
Depois de algum tempo, ela começou a perceber que a casa estava totalmente escura, que as paredes haviam amolecido e o frio nas pernas ficou intenso.
Passou a escutar sons que vinham de fora e a raciocinar de um modo diferente. Era como se a casa estivesse em trevas e seu íntimo começando a caminhar para a luz.
Então como o buda sentado sob uma árvore ela se iluminou, olhou para a casa e enxergou suas paredes de plástico fino e escuro, levantou o saco de lixo que lhe cobria o corpo e sentiu o vento lhe beijar o rosto, viu os carros que passavam pela avenida freneticamente e escutou uma voz doce de uma moça que lhe disse mais ou menos assim:
"Dona Maria de Lurdes, há um lar para sem-teto aqui perto e gostaríamos que fosse para lá. Temos algumas pessoas muito interessadas em cuidar da sua esquizofrenia..."
Hoje em dia, quem passa pela avenida principal pode ver a velha casa enroscada nos galhos da única árvore que tem por alí e, quem sabe, sentir um pouco de saudades...



Agradecimento especial: "Mateus Túria"

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